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Após uma série de humilhações, advogada cria consultoria e mobiliza empresas a contratarem pessoas trans

Publicado em 29/01/2020

Educação transforma, amplia sua visão de mundo, derruba muros, constrói e reconstrói vidas. E o trabalho? O trabalho dá dignidade, honra, esperança, ajuda a realizar sonhos, viajar! Podemos elencar uma série de conquistas que a educação e o trabalho podem proporcionar, mas, infelizmente, essa não é a realidade da maioria das pessoas trans e travestis, em especial no Brasil, o país que mais mata LGBTQI+ no mundo, em especial TRANS!

Desde o dia 01/01 até hoje, 29/01, Dia Nacional da Visibilidade Trans,14 pessoas trans foram mortas, como informa o mapa dos assassinatos elaborado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).  No ano de 2019, foram registrados 124 assassinatos de pessoas Trans, sendo 121 Travestis e Mulheres Transexuais e três Homens Trans. De acordo com dados da Antra, 11 casos tiveram os suspeitos identificados, o que representa 8% dos dados, e que apenas 7% estão presos.

Como uma forma de celebrar a data e a coragem de um grupo de transexuais e travestis que foram até o Congresso Nacional em 2004 lutar por seus direitos, o Observatório G conversou com Gabriela Augusto, advogada formada pela PUC-SP que criou uma consultoria especializada no mercado de trabalho para pessoas trans, e Monique Rodrigues, publicitária que encontrou em uma agência uma oportunidade de trabalho e ajuda a endossar como o trabalho e a educação transformam vidas.  Acredite, você pode ir além!

Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos Consultoria

Por que você resolveu criar uma consultoria voltada para empresas tendo como foco a empregabilidade de pessoas trans?

Com a minha transição de gênero, eu comecei a passar por situações envolvendo preconceito e discriminação com bastante frequência. A gota d’água foi em 2017, na comemoração de aniversário da minha esposa.

Nós duas fomos a uma festa na qual fui impedida de entrar por ser uma mulher trans. Os seguranças pediram para que eu “provasse” que era uma mulher, caso contrário, teria que ir para a fila masculina.

Para evitar conflitos, acabei indo para a entrada de homens. Infelizmente também fui impedida de entrar nesse novo portão por um segurança que disse “não saber o que fazer comigo”.

A situação se tornou ainda mais constrangedora por conta das outras pessoas que estavam aguardando na fila. Ao presenciarem a situação, começaram a rir e fazer piadas comigo e com a minha esposa.

Diante dessa situação, não pensei em processar o estabelecimento, mas sim em um jeito de evitar com que outras pessoas passassem por esse tipo de constrangimento.

Somando essa e outras situações que aconteceram comigo e pessoas que eu conhecia, fiz um livro de bolso. Esse material trazia alguns dos principais conceitos relacionados ao combate à LGBTfobia, assédio a mulheres, racismo e outros tipos de intolerância. Ainda em 2017, comecei a distribuir, gratuitamente, esses livros de bolso em pequenas empresas dos bairros da Vila Madalena, Pinheiros e Vila Olímpia, em São Paulo.

Em alguns meses, comecei a receber muitos pedidos para estruturar programas de conscientização, contratação e comunicação em empresas maiores. Nesse momento, procurei me especializar mais nas discussões que conduzia, fazendo cursos, pesquisando e comprando livros. Hoje, além de mim, temos uma equipe formada por especialistas que me auxiliam nos projetos em empresas. Esse foi o início da Transcendemos Consultoria. 

E o manual, como foi o processo de criação?

O manual é disponibilizado para empresas que passam pelo processo de Certificação Empresa de Respeito.

Quais experiências você teve antes, como empregada, antes de criar a consultoria? Sentiu uma diferença?

Sou formada em Direito pela PUC-SP e tenho experiência em escritórios de advocacia. Durante a minha carreira jurídica, me deparei com diversos desafios relacionados ao conservadorismo e ao formalismo da profissão.

Qual foi o seu maior desafio à frente da empresa?

A Transcendemos é uma empresa de consultoria que desenvolve projetos que vão muito além da questão trans. Nosso trabalho envolve desenvolver estratégias para a inclusão de LGBTs, mulheres, negros e negras, pessoas com deficiência e outros grupos. Um dos nossos maiores desafios sempre foi traduzir discussões profundas e complexas em conteúdos simples e palpáveis para o contexto empresarial. Nesse sentido, podemos afirmar que a Transcendemos está tendo bastante sucesso.

Advogada Gabriela Augusto (Reprodução)

Pode citar empresas que já receberam o selo Empresa de Respeito?

O número de empresas com a Certificação Empresa de Respeito aumenta toda semana. Temos Fintechs, Lawtechs, agências de publicidade e negócios dos mais diversos segmentos. Uma lista atualizada pode ser conferida na nossa página.

Quais dicas você daria para os empresários sobre a importância de dar oportunidades para pessoas com alta taxa de rejeição e vulnerabilidade?

Incluir pessoas que fazem parte de minorias sociais não deveria ser encarado como um favor e sim como uma necessidade. Na medida que incluímos mais mulheres, pessoas trans, negras e com deficiência, nossas organizações se tornam mais criativas, inovadoras e produtivas. Essa minha afirmação tem suporte em importantes estudos publicados por organizações como Mckinsey, Boston Consulting Group, entre outros. 

Quais as principais dúvidas que os empregadores possuem?

As dúvidas que os empregadores possuem estão relacionadas a uma série de assuntos. As principais perguntas incluem: “onde buscar candidatos de perfil diversificado para os meus processos seletivos?”; “como falar desse assunto com os meus colaboradores mais conservadores?”; “o que eu preciso mudar na estrutura da minha empresa para que ela seja amigável ao maior número possível de pessoas?”; entre outras. 

Quais os principais erros que as pessoas, empregados, cometem com a chegada de uma pessoa trans como futuro colaborador ou até mesmo como cliente dessas empresas?

Geralmente as pessoas pecam no básico. Uso de pronomes costuma ser um problema como, por exemplo, mulheres trans sendo tratadas no masculino e homens sendo tratados no feminino. Outro problema costuma estar relacionado às perguntas inconvenientes, tais como: “qual é o seu nome verdadeiro?”, “você já fez a cirurgia de mudança de sexo?”.

Quais as dicas que você daria para pessoas trans num processo seletivo, numa recolocação de carreiras? Postura, comportamento, já que elas são alvos de todos os tipos de julgamentos. Veja o exemplo de pessoas negras que sempre precisam oferecer algo além do necessário por conta do racismo.

Em primeiro lugar, eu diria que a responsabilidade maior deve ser do time de recrutamento. As empresas têm que se preocupar em conscientizar as suas equipes sobre o uso de pronomes, conceitos essenciais, boas práticas, vieses inconscientes e etc. Além disso, a empresa contratante deve se atentar para a flexibilização de requisitos que muitas vezes não são essenciais para a vaga em aberto, como a proficiência em inglês.

Dito isso, eu recomendaria às pessoas trans buscarem se candidatar a vagas de empresas que se posicionam abertamente a favor da Diversidade. Durante o processo seletivo, eu diria para essas pessoas olharem para as suas próprias experiências, mesmo que não profissionais, e tentassem traduzi-las em habilidades relevantes para a empresa em questão. Um exemplo: por estarem cotidianamente expostas a uma série de desafios relacionados ao preconceito e a intolerância, pessoas trans podem desenvolver uma resiliência e empatia excepcionais.

Como tem sido o retorno das empresas após a sua consultoria?

O retorno tem sido bastante positivo, principalmente no que diz respeito à mudança de mindset dos colaboradores. Após as primeiras ações desenvolvidas na empresa, as pessoas passam a se sentir mais à vontade para falar sobre assuntos que antes eram tabus. Isso costuma se refletir em maior abertura para contratações e melhores oportunidades de desenvolvimento profissional de pessoas que fazem parte de minorias sociais.

E dos colaboradores trans que foram contratados? Algum que tenha te deixado emocionada?

Temos várias histórias de pessoas que foram contratadas por meio de iniciativas da Transcendemos. A mais recente delas ocorreu no Google. Temos muito orgulho de contribuir para a contratação de uma pessoa trans em uma das maiores e mais admiradas empresas de tecnologia do mundo.

Como avalia a formação das pessoas trans? Quem de fato tem investido no trabalho social? ONGs, etc, tem exemplos?

Há programas bastante relevantes no que diz respeito à formação de pessoas trans. Podemos citar o Transcidadania, mantido pela prefeitura de São Paulo e os diversos cursos oferecidos pela Casa1, ONG de São Paulo. A Transcendemos também oferece apoio na formação de pessoas trans e outros grupos minorizados por meio do programa Comuto. 

Quais séries, filmes, docs você acredita que esteja retratando com respeito e realidade o cotidiano de pessoas trans?

Quando o assunto é transgeneridade, as pessoas costumam pensar imediatamente em “A Garota Dinamarquesa (2015)” e “Girl (2018)”. Por ter algumas críticas a esses dois filmes, eu recomendaria que as pessoas buscassem por outras obras, como “Paris Is Burning (1990)”, “Uma Mulher Fantástica (2017)” e a série “Pose”, da Netflix. Também recomendo bastante o livro “A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual”, da pesquisadora brasileira Berenice Bento. 

Qual é a importância da arte nesse contexto?

A arte é uma poderosa ferramenta de expressão, possibilitando uma conexão empática com pessoas que muitas vezes não vivenciam as realidades retratadas. 

Monique Rodrigues, travesti e publicitária

Como foi a sua trajetória no mercado de trabalho e formação?

Tive péssimas experiências no trabalho durante minha transição. Em todo processo perdi minha inocência, o que dói. Mas a fortaleza que construí por meio dessas vivências fez com que eu batesse de frente com a realidade que viria, como um processo administrativo, onde tive que ouvir que eu estava “ao avesso”. E agora estou em uma empresa que está me consultando e valorizando meu profissional para falar de uma população na qual me encaixo. Isso é uma vitória enorme. E meu primeiro contato com a W3haus foi gostoso demais e, de certa forma, aliviante. Saí do metrô para fazer a entrevista, não conhecia o bairro, então não sabia a distância da numeração de casas. Mas assim que olhei pra uma vi a bandeira trans pendurada na janela, o que significou muito pra mim. É mexer nas estruturas internas e externas, entende?

Sobre a faculdade, foi uma conquista profissional através de uma batalha pessoal. Foram alguns anos após ter terminado a faculdade para realizar a colação de grau. Esperei o tempo necessário e garra pra isso. A vida foi se transformando, e eu ganhando força para alcançar o que tanto queria e foi conquistado. Subir naquele palco e pegar o diploma ao som do meu nome verdadeiro: MONIQUE RODRIGUES SANTOS ser anunciado, foi a certeza de que fiz a escolha certa. Mesmo tendo que ouvir comentários e ideias contra a minha vontade. Não foi fácil, mas estamos falando de vida, respeito e direito. Jamais abri mão e, hoje, sinto a extrema felicidade por ter finalizado um ciclo em grande ato. Esse orgulho vai ser carregado pra vida toda. Foi como sou e como tem que ser: como Monique Rodrigues, num corpo que me identifico e sendo chamada pelo meu nome verdadeiro. É sobre respeito.

Publicitária Monique Rodrigues (Reprodução)

Quais conselhos daria para pessoas trans que estão em busca de novos empregos, desafios, formação?

Representáveis T também é inspiração. E pra gente isso significa muito. Meu alerta ou conselho, que seja, é para as empresas: valorizem o trabalho de pessoas trans e travestis. As empresas não estão combatendo nossa marginalização abordando questões de transgeneridade sem ter pessoas T em suas equipes. Se continuamos sem emprego e excluídos dos lugares de representação, essa atitude pode estar, na real, contribuindo para o caminho errado.

Quais séries, filmes, docs você acredita que esteja retratando com respeito e realidade o cotidiano de pessoas trans?

Paris is Burning, coisa antiga, é a bíblia, o dicionário, tudo ali te faz refletir. É um doc. que retrata a luta pela sobrevivência das trans e travestis, e até de quem convive com essas pessoas. E agora tô acompanhando a série Pose, coisa atual. Me identifico com as questões sobre relacionamentos amorosos levantadas na série. Mas além dos temas, o que me faz valorizar ainda mais e indicar essas séries, filmes, doc. são os e as profissionais trans e travestis contratados para dar vida as personagens. Além disso, acompanho a arte, seja ela materializada em qualquer forma de expressão, dos artistas trans e travestis que temos.

Qual é a importância da arte nesse contexto?

Sobre a arte e o mercado profissional, ainda é complicado. Muitos artistas trans e travestis são desprezados e desvalorizados na hora de interpretar personagens trans, além de não serem escalados para viverem personagens cisgêneros. E digo isso porque costumam escalar pessoas cisgêneras para interpretar pessoas trans. O que acaba caindo no princípio de empurrar a população T para situações de vulnerabilidade social. 

Mas por outro lado, estamos usando a arte como ferramenta de uma forma de expressão. E de expressão nós entendemos e vocês também: só olhar a forma que vocês nos olham. 

A arte acaba sendo uma ferramenta para (re)criarmos espaços. Apenas valorizem também os e as profissionais trans e travestis independentes. Essa arte tem muito a dizer.

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